FACULDADE MONTEIRO LOBATO – POS-GRADUAÇÃO EM ANÁLISE TRANSACIONAL
MARIALBA GOMEZ – PORTO ALEGRE- RS – 2018
Artigo de conclusão de curso apresentado à FACULDADE MONTEIRO LOBATO/UNAT-BRASIL UNIÃO NACIONAL DE ANALISTAS TRANSACIONAIS como requisito parcial do curso de Pós-Graduação para obtenção do título de especialista em Análise Transacional.
Orientador: Jane Maria Pancinha Costa
Resumo
Os processos de criação, apesar de singulares, são regidos por princípios universais e arquetípicos; são materiais expressivos que possuem propriedades terapêuticas que devem ser conhecidas e respeitadas.
Este artigo mostra a relação do patchwork, a arte de unir retalhos, uma atividade lúdica e utilitária com muitos significados, com a teoria da Análise Transacional representada sob a forma de trabalhos manuais. O objetivo é tecer considerações sobre o uso do Patchwork como recurso terapêutico sob o enfoque psicológico da Análise Transacional.Relatamos uma reflexão teórica sobre a arteterapia a partir de um grupo de mulheres que realizam patchwork, dando significado aos trabalhos por meio dos temas da Análise Transacional. A proposta deste grupo é promover a consciência, a espontaneidade e intimidade. Resgatar a importância da arte na Estruturação do Tempo, na obtenção de Carícias e no autoconhecimento.A parte lúdica do trabalho, relacionamos com os estudos de Winnicott sobre a importância do brincar em qualquer etapa da vida. Comparamos o ato de brincar com os Jogos Psicológicos, como sendo uma ponte para se chegar na Intimidade. Concluímos que um processo arteterapêutico bem-sucedido depende da harmonia de um complexo conjunto de variáveis, como o material de arte, o conteúdo do sonhar, sentir, pensar, atuar, expressar e fantasiar, que facilitam a ideia de si mesmo por reproduzirem a interioridade do indivíduo que os realiza.
Palavras-chave: Análise Transacional. Arteterapia. Patchwork. Brincar. Reconhecimento.
Abstract
The processes of creation, although singular, are governed by universal and archetypal principles; they are expressive materials that have therapeutic properties that must be known and respected. This article shows the relationship of patchwork, the art of patching together, a playful and utilitarian activity with many meanings, and the theory of Transactional Analysis represented in the form of manual work. The objective is to make considerations about the use of Patchwork as a therapeutic resource under the psychological focus of Transactional Analysis. We report a theoretical reflection on art therapy from a group of women who perform patchwork, giving meaning to the works through the themes of Transactional Analysis. The purpose of this group is to promote awareness, spontaneity and intimacy. Rescue the importance of art in Structuring Time, obtaining Caresses and self-knowledge. The playful part of the work, we relate to Winnicott’s studies on the importance of playing at any stage of life. We compare playing with the Psychological Games as a bridge to intimacy. We conclude that a successful art therapy process depends on the harmony of a complex set of variables, such as art material, the content of dreaming, feeling, thinking, acting, expressing and fantasizing, which facilitate the idea of oneself by reproducing interiority of the individual who performs them.
Keywords: Transactional Analysis. Art therapy. Patchwork. Play. Recognition.
Introdução
O trabalho teve inspiraçãoatravés da experiência pessoal com a atividade de patchwork, como uma forma de Estruturação do Tempo no momento de crise e mudanças na vida.
Observei que era um meio de não ficar passiva, de dar e receber Carícias, de manter relações afetivas, de confeccionar presentes com significado e presentes personalizados. O envolvimento com o trabalho, com um objetivo de criar para uma finalidade, estimula a vivência do aqui e agora. Como em toda atividade, a energia se encontra no Estado de Ego Adulto na maior parte do tempo e reduz os Diálogos Internos e os sentimentos desagradáveis.
A ocupação do tempo com uma atividade prazerosa possibilitou resultados com beleza, bem-estar e gratificação nos relacionamentos.
O patchwork é uma arte que tem regras e medidas, tem a combinação das cores, tem os motivos e tem as finalidades. É uma técnica milenar de artesanato manual que traz um desenvolvimento pessoal, um envolvimento com a criatividade e uma concretização de objetivos.
A organização dos elementos, os materiais empregados, os modelos escolhidos pelo gosto pessoal fazem uma composição única, uma produção personalizada, tendo a integração como resultado final.
Todo o processo que envolve esse trabalho, a decisão da peça que será feita, a escolha do tecido, as cores, mobilizam o indivíduo para trabalhar com opções.
A arte, o lúdico acompanhado da razão para coordenar a obra com o uso de medidas exatas, desenvolve a disciplina, o exercício da paciência e da atividade racional.
A Análise Transacional é uma teoria da personalidade e de ação social e um método clínico de psicoterapia, criada pelo psiquiatra canadense Eric Berne (1910-1970).
Berne legou-nos quatro paradigmas básicos, denominados: Análise Estrutural e Funcional da Personalidade, Análise das Transações, Análise dos Jogos Psicológicos e Análise de Script de Vida.
A Análise Estrutural-Funcional é a proposta de um modelo demonstrável de personalidade; a Análise das Transações refere-se a um modelo de comunicação, da relação social; a Análise dos Jogos diz respeito aos padrões comunicacionais enfermos e com motivação oculta. Estes três instrumentos destinam-se ao objetivo básico e inicial de se obter o controle social da conduta. A análise de Script aprofunda-se nos planos e dramas de vida não conscientes que são representados compulsivamente, que a linguagem popular denomina “destinos”, objetivando a meta da Análise Transacional: a autonomia (Crema, 1985).
Cornell (2008) quando fala de Jogos como forma de estruturar o tempo e organizar, refere que Berne (1964) conceituou Jogos como sendo aspectos parentais de organizar o contato social. Argumentou que as pessoas em estado de Isolamento podem estruturar o tempo em duas formas: atividade ou fantasia. E uma pessoa em contatos sociais terá as seguintes opções de estruturar o tempo: Isolamento, Rituais, Atividades, Passatempo, Jogos e Intimidade. Estas formas de organizar o tempo incluem riscos e satisfações, propiciam regular tensões, diminuir a ansiedade, prover Carícias e manter o equilíbrio interno.
Para Winnicott (1971) a capacidade de brincar advém da construção do desenvolvimento e cria um ambiente de imaginação e exploração das relações humanas.
Cornell (2000) explora a possibilidade de brincar ser conceitualizado como a sétima forma de Estruturação do Tempo definido por Berne, sendo uma ponte entre Jogos Psicológicos e Intimidade.
Cowles-Boyd e Boyd (1980) compararam e contrastaram a estrutura e função do ato de brincar com os Jogos Psicológicos. Entendemos então, que brincar é tentar obter novas experiências com novas opções para desenvolver um novo P2 e outro sistema de crenças para facilitar a mudanças. Criando interações que podem aproximar as pessoas da espontaneidade e da intimidade.
A energia da brincadeira estimula insights emocionais e intelectuais com sentimentos positivos no desfecho final.
É com essa energia do lúdico e da criatividade que os conceitos da Análise Transacional são discutidos e vivenciados no grupo.
O objetivo do trabalho é tecer considerações sobre o uso do Patchwork como recurso arteterapeutico sob o enfoque psicológico da Análise Transacional.
A História do Patchwork
O patchwork e o quilt são trabalhos manuais muito antigos. Desde a época dos Egípcios antigos já vemos faraós usando roupas de patchwork e de quilt, desenhados nas paredes das pirâmides.
Na Europa, durante a idade média, roupas de quilts eram feitas de sobras de tecidos para serem usadas como proteção embaixo das armaduras de ferro. Naquela época também eram feitas colchas para aquecimento, era uma confecção mais utilitária. O patchwork e quilt espalharam-se por diversos países da Europa como Inglaterra, Alemanha, França e Itália.
Os peregrinos, colonizadores dos Estados Unidos, que fugiam da Inglaterra devido a perseguição religiosa, levaram este artesanato para o Novo Mundo. Estes colonizadores eram muito rígidos e as mulheres eram incentivadas a fazer trabalhos manuais para que o demônio não tivesse espaço em suas mentes. Estas mulheres só tinham permissão para sair de casa para ir à igreja ou para ir às reuniões de quilteiras (quilting bees).
O patchwork teve importante atuação na socialização das mulheres norte-americanas. Elas não tinham conhecimento de leitura e com poucas alternativas sociais elas se reuniam para o trabalho. Nestas reuniões elas faziam colchas, roupas e cortinas de retalhos de sobras de roupas ou mesmo de roupas velhas, porque não tinham dinheiro, nem onde comprar tecidos. Para tornar os trabalhos interessantes e demorados, elas começaram a criar alternativas de técnicas e funções para as peças.
Em vez de costurar os retalhos de quilteiras pioneiras, planejavam e costuravam formando padrões muito artísticos dando vazão às suas ambições, desejos, sentimentos, um retrato da alma e até mesmo suas posições políticas, já que não tinham direito a voto. Naquela época, todas as mulheres deveriam fazer 12 quilts antes de se casar (um quilt mês do ano) e só então estariam prontas para casar. Às vezes elas contavam, por meio de aplicações e desenhos, histórias sobre a sua infância, retratavam um encanto ou uma lembrança boa. Com o quilt, ato de passar a costura entre dois tecidos para formar um volume, o patchwork mostrou-se ainda mais especial.
Para as mulheres que viviam em lugares isolados era uma ferramenta de sobrevivência, um escape social e a única forma de expressão criativa. Um escape social devido a coona montagem dos itens grandes, como colchas, que era um motivo para convidar vizinhas a se juntar para alguma conversa, prazer e simpatia mútua enquanto usavam suas agulhas.
Com a invenção da máquina de costura caseira em 1846, o patchwork e o quilt passaram a ser feitos tanto à máquina quanto à mão. Após a segunda guerra mundial houve um esquecimento, quando diversas mulheres foram trabalhar em indústrias e no comércio.
Na década de 70 houve um ressurgimento, quando foram desenvolvidos diversos acessórios. E hoje em dia é considerado mais que um artesanato, é considerado também uma arte.
Existem hoje, nos Estados Unidos, museus e galerias de arte especializadas no patchwork e no quilt. Durante o Brasil colonial e imperial, ficaram limitados aos escravos que usavam os retalhos das sobras das roupas de seus senhores, assim como roupas velhas, para fazer cobertas e roupas. Somente durante a república e com a imigração europeia de italianos, alemães e posteriormente ingleses e americanos, passaram a ser mais difundido aqui no Brasil.
O clima quente e a preferência do brasileiro por artes manuais de fios e linhas, como crochê, bordados e rendas não incentivavam a atividade de quiltar. Entretanto, o patchwork encontrou aqui diferentes formas de apresentação. O fuxico, de idade secular, tem sua criação atribuída aos escravos africanos, porém se popularizaram dentro do universo do patchwork no início do século XX. Um pequeno círculo colorido, com as extremidades alinhavadas e franzidas inspira a criação de pequenos enfeites e adereços até a composição de peças grandes como colchas. O fuxico é um artesanato de patchwork típico presente em todas as regiões brasileiras.
O termo “fuxico” em português é sinônimo de “fofoca” e, segundo o folclore local, recebeu esse nome– porque as mulheres se reuniam para costurar e “cochichar” sobre a vida alheia.
As bonecas de trapo também fazem parte da cultura brasileira, representam figuras mitológicas, do cotidiano, manifestações folclóricas e culturais.
Também podemos destacar as colchas de retalhos confeccionadas principalmente pela população da zona rural, sem a preocupação formal de criação de imagens, retalhos reunidos de forma aleatória para formar colchas utilitárias.
No início dos anos 90 alguns grupos de mulheres da classe média começaram se reunir formando os clubinhos do patchwork, com aulas, projetos individuais e coletivos, com toda a influência norte americana.
E assim, popularizou-se no Brasil e atualmente tornaram-se criações exclusivas, graças à poesia de sua história e à beleza de seus efeitos. O patchwork permanece tão popular devido a sua versatilidade, é uma das poucas áreas de expressão que tem força para unir e satisfazer os que amam o usável e os que amam a beleza, os que amam o passado e os que olham o futuro.
No filme “A Colcha de Retalhos” tem-se a ideia sobre a prática do patchwork. Discorre sobre os dramas da vida de várias mulheres e a importância da expressão artística para dar vazão as emoções.
Mulheres na terceira idade reunidas com o objetivo de realizarem o trabalho a arte de unir retalhos. Todas tendo sua história, suas dores e frustrações, seus amores, representados numa colcha.
Por meio da colcha de histórias, as lembranças de cada uma, facilitaram a elaboração e a aceitação dos seus conflitos.
Por meio da atividade cooperativa mantinham o relacionamento no grupo. Uniram-se para terminar a colcha, tinham um objetivo em comum. Aparece a necessidade de obedecer às regras e também a coragem para fugir das regras e obedecer aos instintos, entrando em harmonia com as cores.
Aparece a expressão das emoções por meio da arte, quando a mulher traída quebra todo seu quarto e depois faz um mural na parede colando os cacos, procurando curar seu coração ferido.
Com a idade avançada, elas buscam na arte de tecido, a convivência e a dinâmica do relacionamento do grupo.
A arte de fiar nos leva fazer correlações com a mitologia. Os mitos atemporais e eternos estão presentes na vida de cada ser humano, somos todos deuses e heróis da nossa própria história.
“Texto” em latim é “tecido”, e “palavra”, portanto, é o fio que tece a alma. Desde as primeiras letras, o homem já havia entendido isso, e a noção de que o conhecimento, a verdade e o comprometimento moral da humanidade estão intimamente ligados a esse manto que vem de longe. Quando se diz “confio na tua palavra”, quer dizer que minha consciência se liga à tua pelos fios que tu tens cuja qualidade acredito ser boa e não vai permitir que esses mesmos fios se quebrem.
Na Grécia antiga, temos o mito de Atena, a deusa da sabedoria e da fertilidade. Atena é exímia tecelã, a mais primorosa, a perfeita fiadora, a mais inteligente das deusas, filha predileta de Zeus, intocada, e isenta de repreensões pelo deus dos deuses. Em Odisséia, Homero registra Atena como a guardiã da justiça, a protetora dos justos. E o que são as leis humanas senão palavras?
Atena está presente nos momentos mais críticos de Ulisses, e está sempre ao lado de Penélope, a esposa fiel do astuto herói. Penélope esperou por dez anos a volta de Ulisses da Guerra de Tróia. Quando este estava ausente, a casa de Penélope vivia cheia de pretendentes atrevidos, que queriam se casar a qualquer custo com a bela senhora. O que ela fazia para se proteger, à espera de seu marido? Dizia aos homens que escolheria um pretendente assim que terminasse de tecer um sudário para Laerte, pai de Ulisses, e todas as noites desfazia tudo que já havia tecido. O que é isso senão a astúcia da palavra? Os homens confiavam nela, acreditavam naqueles fios, que eram apenas metáforas para uma enganação, justa, afinal, não dava “ponto sem nó”. O que Penélope fazia, na verdade, era uma espécie de esboço do que hoje se pode chamar de “conversa fiada”.
Ainda falando de tecelãs, trazemos a lenda de Arachne para ilustrar o relacionamento com a mitologia.
A disputa clássica na vida de Atena, no entanto, foi contra uma mortal, Arachne, talvez uma princesa, mas que aparece na mitologia como um tipo de doméstica. Arachne tecia muito bem, maravilhosamente, a ponto de dizerem que era a própria deusa das habilidades, Atena, a havia ensinado. Mas Arachne negava tal fato e retrucava que poderia produzir uma rede muito superior a qualquer coisa que Atena fizesse e assim desafiou a deusa.
Atena transformou-se em uma velha e foi procurar Arachne, para aconselhá-la a não desafiar um deus. Mas Arachne ficou e manteve seu desafio. E então veio o confronto. Ambas teceram rapidamente, mostrando uma habilidade incrível, e a própria disputa se fez de modo tão fantástico que parecia uma homenagem ao trabalho. No produto de Atena, as figuras tecidas mostravam os deuses, imponentes, mas desgostosos com a presunção dos mortais. No produto de Arachne, as figuras exemplificavam erros dos deuses – tudo em forma de deboche. A deusa Atena em cólera despedaçou a tapeçaria de Arachne onde os divinos e nefandos crimes se exibiam, e bateu-lhe no rosto, três ou quatro vezes, com a lançadeira que tinha nas mãos. Arachne desesperada correu a enforcar-se, mas, no momento em que se suspendeu Atena impediu-a de morrer e transformou-a em aranha, suspensa pelo fio.
O mito de Penélope mostra uma das mais claras e populares imagens da feminilidade, da pessoa que espera pelo amor e enquanto espera, pacientemente, borda, tece, junta os fios e as cores. A referência à difícil trama dos tapetes, do desencontro dos fios e da combinação das cores, nos reporta aos acontecimentos da própria existência, tecidos por uma dolorosa memória, como nos fala de criação, invenção e a possibilidade de conhecer novos caminhos. A tela que Penélope tece tem o objetivo de protegê-la e aquecê-la. Ela tece para cuidar de si mesma em seus piores momentos de solidão, tece seu sentimento de abandono. Enquanto espera, desfaz os pontos antigos, cria outros desenhos, novas matizes à espera de si mesma. A espera é uma contagem regressiva da esperança que Penélope coloca nos laços e nós de sua tapeçaria. E a “Tela de Penélope” passou a ser a expressão proverbial, para designar qualquer coisa que está sempre sendo feita, mas nunca termina.
Os simbolismos desses mitos fazem parte da análise deste trabalho de arte em tecer com retalhos, assim como o resgate desse feminino que vem se perdendo ao longo dos anos. Associamos a mitologia com a análise do Script de vida sob o enfoque da Análise Transacional.
A ideia geral de que as vidas humanas seguem padrões encontrados nos mitos, fábulas e contos de fadas foi bem elaborada por Campbell. Ele baseia seu pensamento psicológico principalmente em Jung e Freud. As ideias mais conhecidas de Jung neste contexto são os Arquétipos (que correspondem às figuras mágicas no Script) e a Persona, o estilo em que o Script é representado (Berne, 1988).
Arteterapia
A arteterapia é o termo que designa a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos. Esta é uma definição ampla, pois pressupõe que o processo do fazer artístico tem o potencial de cura quando o cliente é acompanhado pelo arteterapeuta experiente, que com ele constrói uma relação que facilita a ampliação da consciência e do autoconhecimento, possibilitando mudanças.
O processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor na qualidade de vida das pessoas. Por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e os trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar a autoestima, lidar melhor com os sintomas, o estresse e as experiências traumáticas, bem como desenvolver recursos físicos, cognitivos, emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico.
A arteterapia tem como principal objetivo atuar como um catalisador favorecendo o processo terapêutico, de forma que o indivíduo entre em contato com os conteúdos internos e muitas vezes inconscientes, normalmente barrados por algum motivo, assim expressando sentimentos e atitudes até então desconhecidos. Propõe-se então, a estruturação da ordenação lógica e temporal da linguagem verbal, de indivíduos que preferem ou de outros que só conseguem expressões simbólicas. Oferece um olhar que permite a adoção de novas posturas e a ressignificação da vida, dedicando-se à construção de uma existência mais gratificante.
A expressão artística, dentre outras possibilidades, pode levar indivíduos de diferentes idades a se perceberem com mais propriedade no “aqui e agora”. A percepção torna-se de tal forma sensível que ela nos leva a insights facilitadores de contato. Contato com o que é e com o que gostaria que fosse.
Do existencialismo, a arteterapia assimilou a noção de que o homem é um ser de responsabilidade; um ser em permanentemente mutação. Enfim, um ser de relação. Nesta perspectiva é possível ser novo a cada dia, ser responsável na construção de seu projeto existencial.
Da fenomenologia, considera a realidade tal como ela se apresenta no “aqui agora”, sendo só a partir disto que tenta compreendê-la. Descrever é mais importante que interpretar: o como precede o porquê. A vivência imediata é essencial, tal como é percebida ou sentida corporalmente; é a experiência única de cada um. Fenômeno implica em totalidade.
Da Gestalt, mantém o postulado de que o todo é diferente da soma das partes. Assim, a busca não deve incidir sobre os seres, mas sobre as relações entre eles.
A arteterapia, embora antiga, foi reconhecida como tratamento auxiliar da Medicina apenas no século XX. Freud (1856-1939), já apontava o papel da arte no processo terapêutico.
O psiquiatra suíço Carl G. Jung (1875-1961) foi quem, no começo do século XX, começou a usar a arte como recurso terapêutico com os próprios pacientes. Dois pioneiros no Brasil, na primeira metade do século XX, foram o médico Osório César e a psiquiatra Nise da Silveira (1906-1999), que desenvolveram seu trabalho em hospitais psiquiátricos. Hoje é usada em todo o mundo e ganha mais espaço também aqui.
Também colaborou para o estabelecimento da arte na terapia o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott (1896-1971).
Winnicott contribuiu também com o conceito de brincar na terapia, segundo ele o brincar é essencial porque é através dele que se manifesta a criatividade (Winnicott, 1975). Podemos dizer que o relaxamento que nasce de experiências de confiança é a base para a atividade criativa que se manifesta na brincadeira. É no brincar e talvez apenas no brincar que a criança e o adulto experimentam liberdade suficiente para criar e criar-se.
Análise Transacional
O interesse básico da Análise Transacional é o estudo da Análise Estrutural e Funcional da personalidade por meio dos Estados de Ego, que são sistemas coerentes de pensamento e sentimento manifestados por padrões de comportamento correspondentes.
Assim, com base na sua concepção sistêmica tripartida da personalidade humana, constituída pelos órgãos psíquicos e suas respectivas manifestações fenomenológicas e operacionais, os Estados de Ego Pai, Adulto e Criança, Berne (1964) parte do princípio da origem e destino dos estímulos e respostas, isto é, que qualquer estímulo se origina em um dos três Estados de Ego do emissor e é enviado a um dos três Estados de Ego do receptor, e a resposta segue o mesmo princípio. São as Transações, explicando a comunicação interpessoal e seus efeitos sobre a natureza do relacionamento entre as pessoas.
Qualquer teoria completa de comportamento necessita de uma explicação da motivação, a força motora, a energia que causa o comportamento. Berne (1964) explica por que as pessoas se engajam em Transações, falando da necessidade de estimulação. Criou o conceito de “fome de estímulo”, “fome de reconhecimento”, “fome de estrutura”, o desejo de situações sociais nas quais o reconhecimento e, por meio dele, estimulações variadas poderão ser obtidas. Ambas, fomes de estímulo e de estrutura encontram uma maior elaboração na fome existencial, o desejo de significado. Assim, toda sequência transacional e todo Jogo apresentam três tipos de desfecho ou de motivação para seu desempenho: biológico (estimulação), social (estrutura) e existencial (significado).
Berne (1964) enfatiza o conceito de “Carícias” que pode ser definido como a unidade de reconhecimento. As pessoas se comunicam com a intenção de atender a necessidade de “programação”, com a tendência de interagirem segundo padrões aprendidos a fim de receberem o tipo de reconhecimento (Carícias) necessário para a confirmação das crenças a respeito de si mesmas, dos outros e do mundo à sua volta. Este processo tende a reforçar, não-conscientemente, a Posição Existencial básica das pessoas e levar adiante o seu Script (programa inconsciente de vida).
Então, as Carícias são uma fonte particularmente poderosa de estimulação humana. Carícias são obtidas através da Intimidade, Passatempos, Atividade ou Jogos Psicológicos (conflitos). Buscamos Carícias positivas e negativas. A tarefa do terapeuta é ajudar o cliente buscar e dar Carícias positivas.
A Intimidade bilateral é definida como um relacionamento livre de Jogos, de um dar e receber livre e sem explorações. A Intimidade pode ser unilateral, pois uma das partes poderá ser pura e dar-se livremente enquanto a outra é desonesta e aproveitadora.
As atividades sexuais oferecem exemplos que abrangem todo o espectro do comportamento social. Podem ocorrer no Isolamento, ser parte de uma cerimônia ritualística, estar presente num dia de trabalho, ser um Passatempo ou constituir atos de real Intimidade.
Os Rituais são intercâmbios altamente estilizados que poderão ser informais ou formalizados em cerimônias que são completamente previsíveis, programados pela tradição e costumes sociais. As Transações constituídas pelos Rituais fornecem pouca informação, sendo mais sinais de mútuo reconhecimento. E o Isolamento, no qual as pessoas não se comunicam abertamente uma com a outra, permanecem envoltas em seus próprios pensamentos.
Essas formas de ação social são maneiras de Estruturar o Tempo objetivando evitar o tédio e, concomitantemente, extrair a maior satisfação possível de cada situação.
Toda pessoa possui um plano de vida pré-consciente ou Script, por meio do qual estrutura planos mais longos de tempo – meses, anos ou toda uma vida, preenchendo-os com atividades, rituais, passatempos e jogos que levam adiante o seu Script, dando-lhes satisfação imediata comumente interrompida por períodos de isolamento e, às vezes, episódios de intimidade (relações afetivas).
Scripts baseiam-se, em geral, em ilusões infantis que poderão persistir toda uma vida.
As tentativas de manter as ilusões de Script levam à depressão, ou abandonar todas as ilusões poderá levar ao desespero.
Estruturar o Tempo é um termo objetivo para designar os problemas existenciais do que fazer após ter dito olá (BERNE,1988).
Relato da Experiência do Grupo
O primeiro módulo do nosso trabalho: Estados do Ego.
Após a explicação teórica sobre os Estados do Ego segundo a teoria da Análise Transacional, convidamos as participantes do grupo a confeccionarem pequenos bonecos de “fuxico” representando o seu pai, a sua mãe, ela adulta e ela quando criança (Fotografia 01).

Fotografia 01 – Bonecos de “fuxico” representando o seu pai, a sua mãe, ela adulta e ela quando criança.
O grupo brinca com essa atividade e aparecem as características de cada personagem, as cores, as roupas, cabelos e principalmente os comportamentos. Exploramos os sentimentos, as identificações e o entendimento sobre a sua personalidade.
A experiência com os bonecos aconteceu em vários encontros, primeiro para fazer, depois usamos os personagens para dramatizações com o objetivo do autoconhecimento.
Outra atividade sobre o mesmo tema: confecção de três almofadas representando Pai, Adulto e Criança.
- Estado do Ego Pai: técnica de patchwork representando uma constelação familiar (Fotografias 02 e 03).
- Estado do Ego Adulto: técnica de patchwork com linhas retas simbolizando o racional (Fotografia 04).
- Estado do Ego Criança: desenho livre representando algo da sua infância, depois a aplicação em tecido (Fotografia 05).


Fotografia 04 – Estado do Ego Adulto: técnica de patchwork com linhas retas simbolizando o racional.

Fotografia 05 – Estado do Ego Criança: desenho livre representando algo da sua infância, depois a aplicação em tecido.
Trabalhamos para que essa representação estimule a consciência sobre a catexia dos Estados do Ego, quanto tem de energia e fluidez.
As participantes do grupo relataram que deixam as almofadas no seu ambiente mais íntimo, poltrona de leitura, poltrona do quarto, facilitando entrar em contato consigo mesmas (Fotografia 06).

Fotografia 06 – Almofadas criadas por uma participante do grupo, deixadas na poltrona do seu quarto.
Assim com todos os conceitos da teoria da Análise Transacional, realizamos uma arte e por fim montamos uma manta ou colcha, fazendo a integração.
A partir de uma atividade, chegamos na discussão dos temas e os processos que acontecem no grupo.
Na história do patchwork as mulheres se reuniam para fazer um trabalho e falar sobre suas experiências, emoções e ressentimentos, assim como acontece neste grupo. Os Jogos Psicológicos são dinamizados com as opções de mudanças, aproveitando o brincar para mudar. A parte lúdica do trabalho possibilita melhor entrosamento entre as participantes e um autoconhecimento sem resistência em vivenciar os temas apresentados.
Durante a confecção das peças, aparecem os Compulsores, Crenças, Posições Existenciais, Competição, Cooperação. Temas que são trabalhados durante as vivências no grupo.
Tanto a Arteterapia como a Análise Transacional se caracterizam no trabalho terapêutico pela maneira fenomenológica, pelo que é observável, na expressão do “aqui e agora”.
A arteterapia possibilita explorar com facilidade o Estado do Ego Criança da personalidade. Na arte acontece a livre expressão das experiências emocionais, os sentimentos guardados, possibilitando a compreensão da criança de “lá e então” que muitas vezes está presente no hoje em nossas vidas, sem estarmos conscientes.
O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar a autopercepção e o desenvolvimento pessoal. (FABIETTI, 2004).
Consciência, espontaneidade e intimidade, premissas básicas da Análise Transacional, norteiam qualquer atividade artística.
Observamos também que a arte desenvolve habilidades com o Estado do Ego Adulto quando lidamos com opções e escolhas.
O Estado do Ego Pai, herança dos nossos pais, são os modelos que impõem os deveres e valores e influenciam o indivíduo ao fazer uma crítica sobre si e sobre os outros, causando tanto a inibição como a permissão da espontaneidade e da criatividade. A liberdade de expressão da arte alivia a rigidez de comportamentos. O objetivo é fazer arte para si mesmo, deixando despertar o potencial criativo. Não se busca o julgamento, mas a escuta da voz interior. As diferenças são valorizadas e as potencialidades encorajadas. Enfatiza-se a necessidade de arriscar, experimentar e ousar.
Winnicott (1971) refere que o ato de brincar também pode trazer perdas e prejuízos pelo fato que se brinca com outras crianças e pessoas que possuem outras capacidades físicas e emocionais, outros interesses, outras visões de mundo, que também querem ser agradadas e atendidas, com experiências para controlar e manipular outras pessoas e os objetos do ambiente. Essa é a magia do brincar, acessar com intensidade a relacionamentos que impõem uma realidade agradável ou não.
Berne (1964) sugeriu que a Intimidade não é fácil de suportar e Winnicott (1971) ligou o ato de brincar como uma busca de Intimidade. Focaliza a ideia que brincar teria a função de se auto descobrir, descobrir seu próprio self e também gradualmente se descobre e se reconhece os outros.
As fronteiras entre Jogos Psicológicos, brincar e Intimidade são bastante permeáveis. O brincar seria um caminho natural e uma ponte, porém arriscados, entre Jogos Psicológicos e Intimidade.
O brincar possui muitas variações de significados e foi o que constamos neste trabalho de grupo com o patchwork.
Brincar é expressar-se. Tornar público a si próprio. Brincar é explorar ideias e possibilidades. Brincar implica em papéis. Brincar é improvisar. Brincar pode ser perigoso (Jogos Psicológicos).
Pretendemos brincar com o patchwork, representar simbolicamente as diversas partes do indivíduo, sua “colcha de retalhos”, que se integram formando um todo na individualidade, enfatizando a importância da reconstrução e da transformação.
Priorizamos neste trabalho o conceito de Carícias, preenchendo com essa atividade as fomes de estímulos e de reconhecimento. Observamos as pessoas doando algo de si para o outro e para si mesmo, elevando sua autoestima.
Considerações Finais
O grupo foi formado para aprender uma arte dirigida, com retalhos de tecido, associada com uma teoria sobre a estrutura da personalidade e a maneira como os relacionamentos acontecem na nossa vida.
Consideramos a prática do patchwork uma arte por si só terapêutica no sentido de desenvolver habilidades, a criatividade, uma atividade que para alguns pode dar um sentido na vida saindo da passividade e estruturando seu tempo de maneira positiva.
Essa atividade com seus significados propiciou o autoconhecimento com o entendimento sobre os mecanismos psicológicos do indivíduo assim como a liberação do potencial criativo como uma forma de Estruturação do Tempo, de dar e receber Carícias.
As pessoas que fazem patchwork descobrem o sentido do trabalho em grupo, descobrem que não podem se isolar e que se juntarem os seus conhecimentos, descobrem novas técnicas, novos estímulos e muitos relacionamentos.
No decorrer das atividades e de acordo com a duração do grupo, cada vez mais ocorre a Intimidade tão necessária na vida afetiva.
“Tecendo os laços e desatando os nós”. Confiando, caminhamos para mudanças mesmo com muitas “conversas fiadas”. E sabemos que não daremos “pontos sem nós”!
Referências
BERNE, Eric. O que você diz depois de dizer olá? A psicologia do destino. São Paulo: Ed Nobel, 1988.
BERNE, Eric. Os jogos da vida: análise transacional e o relacionamento entre pessoas. São Paulo: Nobel, 1995.
BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega. Vol. I. Petrópolis: Vozes, 2009.
CORNELL, William F. Play at your own risk: games, play and intimacy. Transactional Analysis Journal, Oakland, v. 45, n.2, p.79-90. April, 2015. Quadrimestral.
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